Transplantes Batem Recorde, Mas Faltam Corações Solidários: Mais de 78 Mil Aguardam na Fila

O Brasil registra um crescimento expressivo no número de transplantes realizados, resultado direto de avanços na medicina, investimentos em centros especializados e aprimoramento logístico no transporte de órgãos. No entanto, esse progresso contrasta com um dado alarmante: a redução no número de doadores efetivos, o que mantém mais de 78 mil pessoas na fila de espera por um transplante, muitas delas em estado crítico.
A fila por um órgão é, na prática, uma corrida contra o tempo. Corações, fígados, rins e outros órgãos são disputados por pacientes cuja vida depende de uma chamada que, para muitos, nunca chega. A angústia é agravada pela queda no número de doações, especialmente as realizadas por familiares de potenciais doadores falecidos. Embora o Brasil tenha um dos maiores sistemas públicos de transplantes do mundo, a autorização familiar continua sendo o maior obstáculo para ampliar o número de procedimentos.
Entre os órgãos mais demandados, o rim lidera com folga, representando aproximadamente 85% da lista de espera. Isso se deve, principalmente, à alta incidência de doenças renais crônicas na população, agravadas por fatores como diabetes e hipertensão. O transplante renal oferece qualidade de vida incomparavelmente superior à diálise, mas a escassez de órgãos obriga milhares a permanecerem dependentes de máquinas, enfrentando uma rotina extenuante e restritiva.
Apesar dos esforços de campanhas educativas e iniciativas governamentais para estimular a doação de órgãos, o país ainda enfrenta resistência cultural. Muitas famílias, diante da dor da perda, recusam autorizar a doação, frequentemente por desconhecimento da vontade do falecido ou por mitos e tabus que persistem, mesmo em meio à disseminação de informações.
O crescimento do número de transplantes, paradoxalmente, não foi suficiente para diminuir o tamanho da fila. Isso porque, ao mesmo tempo em que a medicina avança e mais cirurgias são realizadas, o diagnóstico de doenças que podem levar à necessidade de um transplante também aumenta, pressionando ainda mais o sistema. O envelhecimento populacional e o aumento da sobrevida de pacientes com doenças crônicas contribuem para essa equação delicada.
Outro fator relevante é a desigualdade regional. Enquanto alguns estados possuem centros transplantadores bem equipados e equipes altamente especializadas, outras regiões carecem de infraestrutura adequada, tornando o acesso ao transplante mais difícil para quem vive longe dos grandes centros urbanos. A logística de transporte, embora tenha evoluído, ainda enfrenta desafios como a precariedade de algumas rodovias e a falta de aeronaves disponíveis para o deslocamento rápido de órgãos, cujo tempo de viabilidade fora do corpo humano é extremamente limitado.
Em meio a esse cenário complexo, especialistas reforçam a importância de se declarar doador e, principalmente, de comunicar essa decisão à família. Afinal, a legislação brasileira exige que, mesmo com a manifestação prévia do falecido, a decisão final seja dos familiares. Esse simples gesto pode transformar a dor da perda em esperança para até oito pessoas, que podem receber diferentes órgãos e tecidos.
A fila dos 78 mil brasileiros que aguardam por um transplante é, antes de tudo, um apelo coletivo: é preciso mais solidariedade, mais empatia e mais conscientização. A ciência está pronta, os profissionais capacitados aguardam, mas falta ainda o mais essencial — a disposição para salvar vidas com um ato que, embora simples, tem um impacto imensurável.